quinta-feira, 6 de julho de 2017

Dia 1 | De Lisboa a São Tomé

Mas que grande despedida no aeroporto! Foi o voo mais longo que fiz, embarquei à meia-noite e só cheguei às 5h30. Deu para tudo: dormir, ser acordada, voltar a dormir, jantar raviólis, voltar a dormir, acordar, passar pelas brasas, tomar o pequeno-almoço sem ainda ter feito a digestão do jantar e voltar a dormir. Nem reparei que o avião andou às voltas em São Tomé para aterrar.
Finalmente aterrados e de palmas batidas, seguiram-se quase 2h no check out e na procura de bagagem! E o nosso voo era o único que tinha chegado, era o único avião na pista do aeroporto. Na fila para mostrar o visto, já deu para ver que havia mosquito no ar. Oops, o repelente ficou dentro da mala de porão, necessário usar o de outro colega!
À nossa espera estava uma hiace (carrinha de 9 lugares, amarela, que serve de transporte de pessoas). Aqui em São Tomé e Príncipe, quase todas as carrinhas são amarelas, então qual não foi a minha alegria, pois dá para jogar ao jogo do soco! J J Pensei eu, na verdade, ninguém quer jogar ao jogo do soco comigo…

O caminho de São Tomé para Neves faz-se por uma estrada de alcatrão, sem sinais de trânsito, por onde as motas passam a abrir e a buzinar, que serve tanto de buzina de presença para não atropelarem as pessoas que vão a pé pela berma da estrada, como “buzina de presença” do tipo “estou aqui e esta é a minha mota de taxista”. A estrada de alcatrão e com buracos gigantes fazem abrandar o nosso motorista, o Simão. Por aqui não há fiscalização de velocidade, nem de carta de condução, nem de lotação máxima dos veículos. No banco traseiro íamos 5 pessoas, e esse é o número normal de pessoas a transportar. Um banco com 3 assentos europeus equivale a um banco para 5 assentos africanos; isso não significa que os traseiros sejam inferiores, apenas vão mais apertados e/ou fora do lugar.

Quarenta minutos a apreciar a beleza do caminho e chegámos à casa WACT!

Situada no distrito de Lembá, cidade de Neves (a capital do distrito), bairro de Bengá. Uma casa com condições muito melhores do que eu esperava: casa-de-banho com sanita, lavatório, polibã e… ÁGUA POTÁVEL! Em todas as torneiras, wc, cozinha e pátio. Tinham-me explicado que não havia água potável e que teríamos de desinfectar com lixívia. Foi recente a chegada de água potável à canalização de Neves. Espectacular. Assim, a lixívia é colocada fora da minha vista.

A rapariga que ajuda cá em casa, a Xinha, preparou-nos um pequeno-almoço de recepção com as frutas: mamão (o mesmo que papaia), maracujá e carambola à uma fruta super gira que cortada transversalmente tem a forma de estrela! E também havia pão com manteiga, para dar a força necessária para enfrentar o clima e trabalhar.
Já tínhamos arrumado a comida da WACT que trouxemos na bagagem (cerca de 15kg cada pessoa). Já tínhamos feito tanta coisa e eram apenas umas meras 9h da manhã. Começava o calor. Calções vestidos, protector solar e repelente, fizemo-nos à estrada (a caminhar).
Visitámos alguns locais de Neves, como o Centro de Saúde, que by the way, tem uma ala de ACUNPUCTURA, para além das habituais alas do aleitamento, urgências, etc.
Seguimos para a Carpintaria e Marcenaria S. José (das Irmãs de Neves), onde decorreu o projecto Bô Energia’16, e qual não é o nosso espanto quando o Sr. Carpinteiro nos mostra a prensa que nos foi aconselhado a fazer: uma prensa de metal, que faz 4 briquetes em simultâneo! E nós preocupados em Portugal a tentar fazer uma “prensa melhorada”. Melhorada por engenheiros físicos, mas que bela bosta saiu. Aqui em STP a prensa melhorou depois de o Bô Energia’16 ter ido embora, o problema é que apenas ficaram a produzir briquetes por mais dois meses. Como só havia um comprador, desistiram de os fazer. Ficámos de voltar na 2ªfeira para falar melhor sobre o nosso projecto.
Continuámos a visita por Neves e fomos ate à Casa das Irmãs, onde guiados pela Irmã Margarida, visitámos o atelier de costura, a escola, que é brutal: cheia de pneus coloridos, as paredes pintadas, mesas e cadeiras das salas de aula pintados,…

Uma escola bastante agradável e apetecível ao estudo. Mas nem todas as escolas são assim, esta é especial. Perguntei se tinham horta na escola, e há de facto uma estufa com horta, mas perto da casa principal. A horta tem tomateiros, manjericão, couves,… Podia ser uma horta mais bonita e bem cuidada, mas ainda assim a consociação mostrava algum empenho. Também a horta do exterior mostrava a consociação milho e abóbora e tinha três mangueiras… Que pena não estar a dar fruto nesta altura!
A fome, desidratação e calor apertavam. Voltámos à casa WACT e o belo almoço de arroz de polvo, feito pela Xinha, soube que nem ginjas.
Às 14h, acompanhados pelo Muller e o Alvencido, dois voluntários locais da WACT, caminhámos para Oeste para visitar duas comunidades deste mesmo distrito – Ponta Figo e Generosa. O caminho para a Generosa faz-se atravessando uma quinta de exploração de cacau biológico. Deram-me a provar grãos de cacau cru. Não gostei, muito amargo.
A cooperativa na Generosa recebe o cacau de mais de 100 produtores, e vende para a CECAB – Cooperativa de Exploração de Cacau Biológico, depois vai para França, e dá origem à marca de chocolates que eu tanto gosto, a KAOKA. Se bem que os três chocolates que trouxe na bagagem para STP, dizem que o cacau contido provém da República Dominicana… Visitámos o armazém onde o cacau fica a fermentar, que tinha um pivete dos diabos (a fermentado), e cá fora havia a estufa onde posteriormente à fermentação, os grãos ficam a secar. Provei grão de cacau seco. Não gostei. Muito amargo. Isto não é chocolate, de todo!

No regresso, algumas crianças vieram atrás de nós, do grupo dos brancos. Aliás, todo o dia passávamos pelas ruas e só ouvíamos “Olá”, “Olá”, “Olá”, “Olá”, “Olá”. Parece que as crianças querem comunicar connosco. E também alguns dos adultos. Este grupo de crianças trouxe-nos canas-de-açúcar. Como comer? Tem de se retirar a casca exterior. Alguém a retirou por mim, com os seus dentes. Mordem-se as fibras grossas da cana e sai uma água açucarada para dentro da boca. Hmm, tão bom e doce!
Aqui em STP não é crime apanhar fruta do outro para comer, como é em Portugal. Pode-se colher fruta, desde que seja apenas para consumo, e não venda. Segundo o Muller, não se morre aqui por falta de comida, mas sim por outros motivos.

O jantar na casa WACT foi massa com atum e salada e morri na cama. Mas sobrevivi ao 1º dia.

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