quinta-feira, 13 de julho de 2017

Dia 8 | Respeitar a cultura, mas como?

Aqui em São Tomé e Príncipe, todas as vias públicas são mistas, andam à solta galinhas, porcos, cabras, ovelhas, cães, crianças. Todos pelas ruas, juntos ou separados, a comer lixo e afins. Os cães são, de todos, os que têm mais mal aspecto. Ninguém cuida dos cães, estão magros, vê-se contorno das costelas de quase todos, estão cheios de feridas na cabeça, orelhas e patas, alguns andam a coxear,..   É mesmo frustrante ter de olhar, ver que estão a sofrer, e não poder fazer nada em relação a isso.
Como respeitar uma cultura de desrespeito pelos animais? Na minha opinião, as pessoas têm opção de escolha, ao contrário dos outros animais domesticados. Ou também as pessoas não terão opção de escolher outra vida?
A Rita diz que os animais são tratados desta forma, pois as pessoas estão a tentar sobreviver.
NÃO COMPREENDO, DE TODO.

Não compreendo como é que sobreviver passa por atirar pedras aos cães, deixá-los a latir, e rir por isso. Foi o que eu assisti hoje. Nem como é que sobreviver, passa por atar cordas aos animais, para fazer uma brincadeira que é… Puxá-los. Vi uns putos a tentar fazer isso a um cão, mas o cão conseguiu fugir. Minutos depois, um cão a latir, tão profundamente que parecia que estava a falecer. Outros cães vieram ladrar para junto dele, logo atrás de um muro. Ainda bem que havia um muro para eu não ver o que tinha acontecido. A meio de um inquérito do Bô Energia, a meio de uma conversa com uma mulher, congelei a olhar no vazio com toda aquela confusão.
Já era a segunda vez que congelava neste dia.
Desliguei o cérebro para não odiar aqueles rapazes que pouco têm nesta vida. Desliguei porque eles são mesmo estúpidos, é isso e não há outra forma de dizer.
Não admira que quando eu me agacho para tentar fazer festinhas a um cão, todos, mas todos fogem. Isso é que é a sobrevivência, fugir do potencial perigo.


De manhã, fomos produzir briquetes para a Carpintaria das Irmãs, com a ajuda do Wladimiro (Apau) e do Daniel (Dani). Em 4 horas, fizemos 170 briquetes. O Diogo, o responsável pela carpintaria, inventou uma forma de soldar metal para melhorar a prensa, para os prensadores não caírem para além dos moldes, pois para voltar a encaixá-los nos moldes era uma trabalheira dos diabos. Quando eu lhe disse que podíamos arranjar separadores de serradura para duplicar a produção, arranjou 4 discos de plástico. O Diogo deve ser um pequeno génio, ou pelo menos, um grande engenhocas. Por isso é que será o responsável, há tantos carpinteiros naquela carpintaria…
Apenas fiquei a misturar a serradura com água e a levar os briquetes para o secador exterior, ainda assim esta manhã deixou-me estafada. Bebi toda a água do meu cantil , o que nunca acontece, e o almoço às 12h30 nunca soube tão bem. Foi peixe com legumes cozidos e um ovo. Molho de salsa à moda da Xinha. O que são os legumes? Duas tiras de feijão-verde, 1 tira de meia cenoura, meia mata-bala, meia batata.
Começo a ficar com o hábito de comer bolinho de côco todos os dias. Aquele “dóxi” está à venda nas bandas de rua, ao ar e ao pó, onde centímetros à frente passam as motas a libertar os seus fumos pretos pelo tubos de escape. Mas aquela porra é viciante, tem mesmo pedaços de côco envolvidos na farinha, e fico sempre com vontade de comer o segundo. E compro.
1 biscoito = 1 conto = 1.000 dobras (1 moeda) = 4 cêntimos

Na reunião na Câmara Distrital de Lembá, com o presidente André, foi o Martim que apresentou o nosso projecto, claro. O presidente ouviu os 4 grupos a apresentar os seus projectos, e no final perguntou-nos se não íamos fazer nada sobre reciclagem.
A SÉRIO? O meu assunto ambiental de eleição, assim? E eu muda, sem nada para dizer, sem opinião. Não percebo como poderei ajudar neste local, não percebo como funciona o sistema. Um sistema de lixo por todo o lado. E precisam de ajuda.

Andei quase 2 horas sozinha por Bengá, a pseudo-fazer inquéritos às mulheres e a ouvir falar sobre os seus costumes de cozinha e de vida. Gosto bastante de ir sozinha e fazer o trabalho ao meu ritmo. Novamente, 100% das mulheres demonstraram interesse nos briquetes (o meu universo foram 3 mulheres). A primeira, é a Maria Tomé que vende os bolinhos de côco. Quando lhe perguntei o que era necessário para ter uma banca de rua (autorizações à Câmara, ponderei eu), apontou para um homem:
“Pergunta a ele, trabalha na Câmara.”
Coincidência, era o assessor do presidente, com quem tínhamos estado esta tarde.
Para ter uma banca de rua, de sensibilização, como o âmbito era social, não tinha de pagar nada. Só por isso.
Duvido que seja por isso. E os projectos não sociais, pagam o quê? Cascas de banana no chão? Não têm forma de controlar quem vende o quê e onde, é isso.
Perguntei-lhe se o presidente ainda estava na Câmara, pois gostava de falar com ele, aconselhou-me a ficar junto ao carro dele, para o apanhar à saída. Mas na Câmara já estavam todas as janelas fechadas, assumi que já não ia acontecer.
Estava eu a meio de um inquérito, a falar com uma senhora simpática que sabia que eu tinha ido à procura do André, e quando ele sai da Câmara, aponta para ele e lá vou eu a correr.
“Sr. Presidente, Sr. Presidente!”
Podemos dizer que foi uma espera. E consegui o contacto que queria. Graças a ele, reunião marcada para o dia seguinte, com a entidade gestora de resíduos. Afinal os connects funcionam. Ele foi super atencioso, não faz um trabalho melhor, pois o governo não o permite.
Nisto tudo, falei com um tipo, o Lázaro, que trabalha na Câmara, no departamento de Salubridade. Pela conversa dele, até é um homem com uma mentalidade ambiental, que se preocupa com a integridade das ruas. Diz que as ruas agora estão muito melhores.

FODA-SE, ESTAS RUAS TÊM MERDA POR TODO O LADO.
ISTO É QUE É O ESTADO “MELHOR”?

Pelos vistos, tem sido um árduo trabalho de sensibilização das pessoas. Foram colocados caixotes do lixo nas ruas, mas o que acontecia muitas vezes é que as pessoas vandalizavam os contentores. Ficou ele próprio, muitas vezes, a fazer a vigia dos contentores. E quando alguém os destruía, fazia queixa na polícia e as pessoas ficavam presas 3 ou 5 dias. Agora, já não há tanto vandalismo, só pontualmente, e mais os homens bêbados.
Foi uma sensibilização ambiental feita pela negativa, portanto, e até tem resultado. Fixe.
No caminho de regresso para casa, uma miúda passa por mim de bike. Claro que quis falar com ela. Tinha uma bike vermelha, faz lembrar a da Maria, mas esta é a Cátia e a bike emprestada. Tem 20 anos e quer ser advogada. O pai foi para Angola e criou lá família, não quer saber dela; a mãe abandonou-a à nascença, então vive com a madrasta, a qual me levou a conhecer. Namora com um tipo que trabalha na Carpintaria das Irmãs, no entanto é virgem pois “tem medo”. Que miúda porreira, tanta energia para dar ao mundo e está presa aqui, possivelmente para sempre.

Ao jantar, tivemos novamente convidados: o senhorio da casa, os seus dois filhos e as esposas. Que seca. Mas o arroz de polvo com vinho branco português ajudou a passar as horas. Vesti o meu vestido vermelho, pois era suposto ser um jantar especial, afinal eles vinham de t-shirts e gangas. É uma família de professores, simples.
Aqui em STP, não é preciso ter um grande curso para se ser professor, basta andar no ensino secundário. É a falta de recursos humanos.

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